Analista, só com diploma. Bom ou mau?

28 de agosto de 2009

A comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado Federal aprovou a proposta de lei que regulamenta o exercício da profissão de Analista de Sistemas.

O projeto, conhecido como PLS 607/07, de autoria do senador Expedito Júnior (PR-RO), afirma que pode exercer o cargo somente quem possuir diploma de nível superior em Análise de Sistemas, Ciência da Computação ou Processamento de Dados, ou aqueles que, na data de entrada em vigor da lei, tenham exercido comprovadamente, por no mínimo 05 anos, a função de analista.

A lei também se refere à profissão de técnico de informática, atestando que só poderão exercê-la os portadores de diploma de ensino médio ou equivalente, de curso Técnico de Informática ou de Programação de Computadores, ou os que, na vigoração da lei, comprovem o exercício da função por pelo menos 04 anos.

O projeto ainda vai seguir para análise da Comissão de Assuntos Sociais, em decisão terminativa, e depois para a Câmara, para votação final, mas já cria polêmica. Para a maioria do empresariado do setor, não há sentido em regulamentar a profissão de analista – pelo menos não nos termos atuais da lei.

“Pela constituição federal, toda profissão é livre de regulamentação, a menos que a sociedade se mostre contrária a isso. E até agora não vi justificativa da sociedade para este projeto de lei”, comenta Renato Turk Faria, presidente do Seprorgs.

Desemprego à vista
Para o dirigente, mais do que criar dificuldades para o mercado, como a extinção da possibilidade de criação de conselhos para fiscalização das atividades, delegando esta função somente ao poder executivo, a proposta do deputado Expedito Júnior poderá gerar desemprego.

“E quanto a quem é formado em sistemas de informação, ou em outros cursos tecnológicos? Ou então quem trabalha em análise de sistemas há três ou quatro anos. Ele terá de ser demitido!”, preocupa-se Turk Faria.

Opinião compartilhada pelo diretor da JME Informática, ex-presidente e atual conselheiro fiscal da Assespro-RS, Jorge Branco.

“Hoje, a TI brasileira já enfrenta dificuldade em relação à mão de obra, com carência especialmente nas áreas de análise e programação. Se esta regulamentação for aprovada, o quadro irá se agravar ainda mais”, afirma ele. “Até porque a maioria das empresas do setor são de pequeno porte, e, destas, muitas trabalham com profissionais que estão há anos na profissão, têm experiência e qualidade, mas não têm formação acadêmica”, complementa.

Justiça profissional ou preconceito?
A discriminação de profissionais experientes, mas não graduados, também é o foco da opinião do diretor da Sidicom Software, Ricardo Kurtz.

“É muito ruim, cria um cartório que aumenta custos, burocracia, e discrimina excelentes profissionais que vieram de outras áreas ou de forma autodidata fazem um trabalho excelente. Uma bola fora que vai diminuir a competitividade de nosso setor e incentivar  a produção de TI fora do Brasil”, argumenta ele.

O diretor da Criterium, Ricardo Piccolli, é da mesma opinião.

“Apesar de eu ser formado em Análise de Sistemas, sou contra a regulamentação. Na TI, diploma não é atestado de competência ou capacidade. Conheço muitos profissionais sem formação superior que têm muito mais capacidade do que muitos graduados”, defende o executivo.

Trancando portas
Já o presidente da Assespro-RS, Márcio Miorelli, enfatiza a possível aprovação definitiva da lei como “extremamente prejudicial para o setor”. Segundo ele, o projeto pode até mesmo impossibilitar que muitos profissionais cheguem à formação superior.

“Esta ação vai bloquear a entrada no mercado de jovens que finalizam o ensino médio, pós-médio e técnicos-profissionalizantes, que podem e estão atuando no mercado atualmente e que, através de seu emprego e apoio das empresas, pretendem
cursar uma graduação”, ressalta.

Ampliar o leque
Além disso, destaca Miorelli, nos últimos anos as universidades criaram diversas graduações que focam determinadas áreas da informática e da computação, como por exemplo Engenharia de Software, Software Básico e Engenharia de Sistemas, que não estão contemplados pela possível regulamentação.

“O que precisamos é regulamentar uma lei para desenvolver nossa indústria de software, com redução de carga tributária, incentivo e apoio ao desenvolvimento de novos mercados, formação de capital humano e geração de empregos. Assim colocaremos nossa indústria em patamares de competição global elevados”, enfatiza o gestor gaúcho.

Menos horas de trabalho
A atual proposta de lei, entretanto, não fala em qualquer uma destas premissas. A única redução prevista pelo projeto é na jornada de trabalho dos analistas, que deverá passar das atuais 44 para 40 horas semanais, ou ainda para não mais que 20 horas semanais no caso de profissionais submetidos a atividades que demandem esforço repetitivo.

“Isso nem se comenta… Esta redução dificultará ainda mais a competitividade das empresas brasileiras, especialmente em relação a mercados como os da Índia e China. Se já é difícil, com a atual carga horária, alcançar níveis de produtividade e preço competitivos, imagine reduzindo-a”, reclama Jorge Branco.

Outro que não concorda com a lei é o diretor da Connection, Ederson Bastos.

“Acho que esta lei pode representar um retrocesso para o setor”, afirma ele. “É necessário haver uma atualização do entendimento sobre a definição de funções na área de TI, uma vez que mesmo entidades representativas de classe, como os sindicatos de funcionários, acabam listando e definindo cargos que pouco ou não mais se utiliza no mercado atual”, acrescenta.

Lei x Realidade
Argumentos que, segundo o responsável por Sales & Marketing da SPRO It Solutions, Marcelo Leal, demonstram uma incompatibilidade do projeto com a realidade do mercado.

“Esta lei está baseada numa premissa irreal, ou seja, de que implementar e desenvolver sistemas é competência exclusiva de profissionais formados pelos cursos previstos na proposta”, acredita ele. “Na prática, processos empresariais e visão holística, temas amplamente tratados em outros cursos de bacharelado, como Administração e Economia, somados à vivência nestas áreas, são o principal insumo para uma bem sucedida implementação de ERP, por exemplo”, declara.

Concluindo, o diretor da Central de Software e vice-presidente da Assespro-RS, Reges Bronzatti, é enfático: “Sempre fomos contra qualquer tipo de regulamentação nesta área”, fulmina.

O outro lado
Contudo, não é todo mundo que é contra a lei no setor de TI. O diretor da Cigam Software, Robinson Klein, por exemplo, vê a regulamentação com bons olhos.

“Quando a exigência é pelo diploma, a sociedade sempre ganha. Ganha profissionais mais qualificados e produtos melhores”, afirma Klein. “Essa regularização auxilia na profissionalização do setor e faz com que a competição do mercado seja mais justa e equilibrada, gerando oportunidades melhores. Além disso, traz aos clientes mais segurança e sistemas mais eficazes”, completa.

O Baguete entrou em contato com a Executiva Nacional dos Estudantes de Computação (Enec), órgão representativo dos universitários de cursos de graduação e pós-graduação da área no Brasil, mas até o momento nenhum dos representantes contatados pode atender à reportagem.

Fonte: http://www.baguete.com.br/